É o último ensaio do quadro Janete e Valéria, da dupla de humoristas Rodrigo Santana e Thalita Carauta. Cinquenta figurantes circulam pelo estúdio, que simula um vagão de metrô. 15h50 da tarde de uma terça-feira. Diretores e toda a equipe técnica conversam, remarcam os lugares de cada ator, pedem mais luz, outra câmera, barulho e agitação... Estão prestes a gravar.
De repente, um silêncio corta o estúdio. Um senhor de cabeça branca é levado de cadeira de rodas pela lateral esquerda. Impossível passar despercebido, pois se trata de Chico Anysio, caracterizado como Salomé.
Chico Anysio como Salomé: quadro do Zorra Total
Ninguém parece piscar. Chico é reverenciado com o silêncio dos que seguem seus passos na tarefa de fazer rir. O ator é levado para o estúdio ao lado, onde já está tudo pronto para gravar sua cena de cinco minutos. Salomé é uma simpática senhora que telefona para a presidenta Dilma, a fim de dar conselhos e comentar os últimos acontecimentos do Brasil e do mundo.
“Pessoal, quinze minutos para o café. Vamos gravar com o Chico e já voltamos ao quadro do metrô”, anuncia o diretor no microfone. A gravação é interrompida para ver Chico passar.
Tudo é cronometrado. Uma manta azul, da mesma cor do figurino, cobre o colo do ator e esconde as rodas. Ele não ensaia a cena. Grava de primeira, em uma única passagem de texto. “Ele não pode ficar muito tempo sem o seu respirador portátil, que ficou no camarim”, conta um rapaz da produção. Um teleprompter o auxilia com o texto que deve ser dito pausadamente, como se estivesse realmente em um papo informal ao telefone. Chico parece ignorar o aparelho. Ele tem o domínio da cena.
Rodrigo Santana, vestido como a transexual Valéria, vai ao set acompanhar o momento. “Não é todo dia que a gente tem um mestre lado a lado”, diz ele. Salomé fala com Dilma. Pergunta sobre Kadafi e ironiza se ele vai pedir asilo político no Brasil, lembrando o caso de Cesare Battisti. Fala também sobre o furacão que amedrontou a costa leste dos Estados Unidos. Antes do fim, improvisa uma frase em defesa dos Bombeiros (“só querem dar 1,5% de aumento para eles. É um absurdo”). A ligação com Dilma “cai”, acaba a gravação.
Quem vê Chico Anysio ali em cena, ao vivo, se emociona. Basta lembrar o que, aos 80 anos, ele passou recentemente. Ficou, até março desse ano, 110 dias internado por complicações cardiorrespiratórias. Foi detectada uma obstrução da artéria coronariana e, durante o período pós-operatório, um acúmulo de sangue entre as membranas que envolvem o coração. Além disso, teve pneumonia por duas vezes e perdeu a irmã, a atriz Lupe Gigliotti, durante o período em que ficou internado.
Antes de ser levado de volta ao camarim, o vascaíno Chico comenta que não está em um bom dia. “Estou triste hoje. Um grande amigo meu morreu no Rio Grande do Sul esta manhã, só soube agora há pouco. Também estou preocupado com o Ricardo Gomes (técnico do Vasco, que sofreu um acidente vascular cerebral)”.
Chico pede à produção para que mantenham o seu improviso na edição final. “Não deixem que tirem. Isso dos bombeiros é importante da gente falar. Quando precisam deles, chamam na hora. Quando é para dar aumento, ninguém faz nada. Se a Globo tiver a competência de cortar meu texto, então me digam o que eu estou fazendo aqui”.
Em mais alguns instantes, ele some na coxia com auxílio de um ajudante.
Do iG
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