Em entrevista ao iG, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), aceitou apontar os melhores presidentes da história do Brasil. Ele excluiu a si próprio, que comandou o País entre 1985 e 1990, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). "Um presidente comum", disse.
Sarney afirmou ainda que nunca viu o ex-presidente Fernando Collor (1990-1992), atual colega no Senado, como inimigo político e que Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) foi um líder popular maior que Getúlio Vargas (1930-1945).
Sobre a atual presidenta Dilma Rousseff, Sarney afirmou que mantém conversas particulares com ela da mesma forma que fazia com Lula: sem a presença de terceiros.
"Getúlio nunca foi líder popular. Ele teve uma grande popularidade. Lula é um líder popular".
“Nós temos continuidade sem termos continuísmo. Ela vai marcar o governo dela com um grande controle da administração pública. Melhora qualidade nos gastos públicos e o Lula mantém-se como grande político nacional”, disse.
Confira os principais trechos da entrevista:
iG: Quem o senhor identifica como inimigo político?
José Sarney: Eu não tenho inimigo. Eu tenho adversários políticos. Não tenho capacidade para ter inimigos políticos. Eu não tenho ódio de ninguém. O criador fez tanto por mim que não tenho direto de reclamar e ter inimigos.
iG: Então qual foi seu maior adversário político?
Sarney: Com quem eu tive a maior luta política foi com Vitorino Freire (1908-1977). Foi uma luta estadual, que durou 30 anos. Ele foi um grande adversário político. Era um homem de temperamento muito forte e o meu temperamento sempre foi muito fraco como vocês todos reconhecem.
iG: No campo nacional, qual foi seu maior adversário?
Sarney: No campo nacional, eu não tive nenhum adversário que eu pudesse considerar.
iG: No fim do seu governo (1989), quando o então candidato Fernando Collor criticava o senhor, não o considerou um grande adversário?
Sarney: Eu sabia que não era verdade e pensava que ele se referia a uma terceira pessoa.
iG: E o presidente Lula virou um amigo?
Sarney: Eu hoje sou amigo pessoal do Lula. Foi o presidente que me tratou bem não só do ponto de vista institucional, mas também do ponto de vista pessoal. Ele sempre teve maior delicadeza e respeito comigo. Então, eu posso dizer que eu o considero amigo. Foi nesse sentido que eu acompanhei até São Bernardo do Campo (no dia 1º de janeiro quando Lula deixou Brasília).
iG: Como o senhor define o Lula presidente e a Dilma presidenta?
Sarney: Até agora não tivemos na história do Brasil uma liderança como Lula. A liderança que ele exerce no País não é de penetração popular horizontal. Ela é vertical. Tem várias raízes do povo brasileiro. Ele é quem tem de forma mais profunda essa condição. Agora, ele era um político e a Dilma tem um outro temperamento. Acho que é temperamento mais administrativo. Então, acho que completa muito bem. Nós temos continuidade sem termos continuísmo. Ela vai marcar o governo dela com um grande controle da administração pública. Melhora qualidade nos gastos públicos e o Lula mantém-se como grande político nacional.
iG: O senhor acredita que Lula foi um líder popular maior que Getúlio Vargas?
Sarney: Getúlio nunca foi líder popular. Ele teve uma grande popularidade. Lula é um líder popular. Getúlio era da elite do Rio Grande do Sul, do Cosme de Medeiros, do Julio de Castilho. Foi ministro da Fazenda do Washington Luís. Então ele era da elite nacional. O Lula não. Lula veio das raízes. Foi torneiro mecânico, operário. De maneira que podemos dizer que todas as classes sociais ocuparam o poder.
iG: Getúlio era um líder populista?
Sarney: A meu ver sim.
iG: O Lula não?
Sarney: O Lula não. Ele é um líder de resultados para a classe dele. Isso foi o balanço do governo.
iG: Se o senhor tivesse que fazer um ranking dos presidentes da República como faria? Sarney: Colocaria Rodrigues Alves (1902-1906), porque ele ordenou as finanças públicas depois de encontrar um país extremamente endividado. Tinha uma visão de Estado profunda. Estou fazendo um exame cronológico. Eu consideraria o Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954). De qualquer maneira, ele foi um ditador durante 15 anos. Ele enfrentou problemas trabalhistas que eram só para aqueles que tinham carteira de trabalho. Para os excluídos, esses que não tinham carteira de trabalho, Getúlio nunca fez nada. O Juscelino Kubitschek (1955-1960) foi um grande presidente. Teve uma grande responsabilidade, assumiu para ser deposto porque ele tinha uma reação militar e política muito grande. E ele (JK) contornou tudo isso e transformou a luta política num debate nacional pelo desenvolvimento econômico. E eu colocaria o governo do Lula, que é uma mudança profunda. O Lula deu uma paz social ao país, fez uma distribuição de renda muito grande. Acho que a partir do Lula o Brasil também conclui um ciclo republicano, coma a chegada de um homem do povo ao poder.
iG: Duas perguntas que sobram: primeiro o senhor não se incluiu...
Sarney: Não me incluí porque caso contrário seria cabotinismo da minha parte. Eu fiz coisas certas e coisas erradas. Eu às vezes fui o melhor presidente do Brasil e fui o pior presidente do Brasil.
iG: Em quê?
Sarney: Quando eu fiz o Plano Cruzado e tive a coragem que nunca ninguém tinha tido neste País de partir para uma fórmula heterodoxa de modificação da economia. Todos os outros (presidentes) tinham se submetido às regras internacionais. Isso foi uma coragem extraordinária. Naquele tempo eu havia ouvido do próprio Leonel Brizola (ex-presidente nacional do PDT) que eu tinha sido o presidente com maior coragem no Brasil, quando decretei o congelamento (de preços) e fiz o Plano Cruzado, quando abri a porta para que o País pudesse ter condições para modificar a economia.
iG: Isso foi o melhor e o que foi o pior?
Sarney: O pior foi quando fiz o Plano Cruzado número 2. Fiz uma correção errada. Evidentemente que eu não sou economista, mas a responsabilidade é minha. Os que fizeram errado não têm responsabilidade nenhuma. Mas eu tenho a responsabilidade de ter aceito aquela fórmula de corrigir o aumento daqueles cinco produtos.
iG: A outra pergunta que sobra daquele ranking foi não ter incluído o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Sarney: Acho que Fernando Henrique Cardoso foi um presidente que prestou muitos serviços ao País. Ele realmente foi um bom presidente. Um presidente normal, comum. Não há uma marca profunda como os outros presidentes que ocuparam o comando do País.
iG: Em 1985, o senhor saiu do PDS e ajudou a criar a Frente Liberal, que resultou na formação do PFL. Depois, em 2002, foi um dos primeiros políticos do PMDB a apoiar o Lula. Como o senhor vê agora alguns integrantes do DEM (o antigo PFL), como o prefeito Gilberto Kassab, querer aderir a um partido governista?
Sarney: Quando fiz uma dissidência no PDS foi um gesto de coragem. O Ullysses (Guimarães, ex-presidente nacional do PMDB) me disse que se não fosse aquilo não teria havido a transição democrática. Eu é que comandei aquilo. Fui contra a candidatura do (Paulo) Maluf (PDS). Já na fase final da min ha vida, eu fiquei muito feliz em apoiar o Lula como candidato a presidente. Porque o Lula era uma mudança fantástica para o País. Era uma transformação na qual eu não poderia estar fora. Eu não fui atrás de apoiar o Lula. O Lula foi à minha casa pedir o meu apoio. Quando ele me pediu, achei que era meu dever apoiá-lo porque naquele tempo era tido como demônio e o meu apoio era importante porque era um homem de centro.
iG: Antes, em 2001, sua filha Roseana havia surgido como candidata. O senhor acha que José Serra (PSDB) pode ter prejudicado a candidatura dela?
Sarney: Há muitas coisas no ar, mas eu não quero remover o passado.
iG: Mas como o senhor a tentativa de se formar um novo partido como quer o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab?
Sarney: É tal necessidade da reforma política. Nós não conseguimos fazer partidos políticos. É um desajustamento. Há muitas pessoas que não estão ajustadas em seus partidos por motivos ideológicos ou por motivos pessoais. O Brasil não tem partidos políticos. Temos instituições políticas que remontam ao século 19.
iG: A crítica que tem sido feita é que a reforma política deveria começar na Câmara dos Deputados e não no Senado por meio da comissão que o senhor criou.
Sarney: Não quero saber onde ela deve começar. Acho que a reforma deve ser feita. Esse é o problema. É fazer a reforma. Começar na Câmara ou no Senado não importa. Depois nós vamos nos unir. Evidentemente que a reforma será feita pelo Congresso Nacional.
iG: Com o presidente Lula, o senhor era um dos poucos aliados que mantinha conversas sem a presença de terceiros. Ele sempre fazia encontros com a presença de Gilberto Carvalho, chefe do gabinete pessoal, ou Clara Ant, assessora especial. O senhor mantém esse tipo de reuniões com a presidenta Dilma?
Sarney: Eu acho que depende do assunto que for tratar com o presidente . Às vezes há assuntos que você trata apenas com o presidente. Tive poucas audiências com a presidente Dilma, mas já tive encontros a sós com ela.
iG: O senhor acha que Dilma deve disputar a reeleição ou Lula tem de voltar?
Sarney: Se ela fizer um excelente governo, aí ela é quem vai decidir.
iG: E o Lula deveria voltar?
Sarney: Não podemos olhar na bola de cristal e olhar o que vai acontecer. Dizia-se que esta frase era do Magalhães Pinto, mas não. Era do velho Antônio Carlos Magalhães: ‘política é como nuvem. Todo momento ela se transforma’.
iG: Qual sua avaliação da votação do salário mínimo?
Sarney: Acho que pela primeira vez temos uma regra para estabelecer o salário mínimo. Uma regra positiva para os trabalhadores. Uma regra que acrescenta realmente a produtividade incorporada ao salário. Não é mais uma coisa voluntarista. Agora nós temos uma regra.
iG: O senhor ficou surpreso com a postura do ex-presidente Itamar Franco na sessão em que se votou o salário mínimo?
Sarney: Acho que aquilo é o estilo do Itamar. A questão de ordem que ele levantou era sobre um minuto. Se fosse lido na hora do expediente e tinha sido na ordem do dia... Não prejudicava em nada.
iG: Qual são seus projetos futuros?
Sarney: Eu não tenho mais projeto futuro. O que eu tenho é um longo passado. O meu projeto é procurar ajudar o Brasil naquilo que eu puder.
iG: Mas um projeto que ficou para trás foi a reforma administrativa do Senado.
Sarney: Nós fizemos. Hoje o Senado está profundamente organizado. Reforma administrativa, plano de cargos e salários. Todos os problemas apresentados nós solucionamos. Temos um portal da transparência.
iG: Mas aquele parecer da Fundação Getúlio Vargas não foi aproveitado.
Sarney: Foi aproveitado.
iG: Não chegou a ser votado.
Sarney: Nós estamos concluindo. Eu já fiz um projeto da FGV aqui. Com o tempo, nós precisamos adaptar. O núcleo do Senado é bem organizado.
iG: O que achou das mudanças que ocorreram nos últimos tempos, como acabar com o nepotismo no serviço público.
Sarney: Isso está na Constituição.
iG: Mas mesmo assim havia casos, o senhor teve alguns momentos que...
Sarney: Nós vivemos um ano político apaixonado e eu acho que houve uma interpretação muito errada feita pela oposição. Disputei pela primeira vez uma eleição para a presidência do Senado (em fevereiro de 2009, contra Tião Viana) e ganhei. Evidentemente eu deixei um lado ressentido. Um lado que passou a ser oposição e que fez oposição durante todo o período que eu estive à frente da Casa.
iG: Gostaria de perguntar sobre ocupação de espaços no governo. O senhor tem uma tendência, desde o governo Fernando Henrique, de indicar pessoas que já trabalharam com o senhor no setor elétrico.
Sarney: Não tenho nenhum interesse no setor elétrico. No governo Fernando Henrique, quando fui eleito senador pelo Amapá e havia um racionamento total, funcionava a energia apenas seis horas. Então eu pedi a ele... O presidente Fernando Henrique me chamou e me pediu a sugestão do ministro da Cultura. Eu disse: ‘não, presidente. O senhor é um homem de Cultura, o senhor escolhe o ministro. Agora o que eu quero é que o senhor nomeie um nome para Eletronorte e resolva o problema de racionamento que existia no Amapá e no Amazonas’.
iG: Era o José Antonio Muniz (atual presidente da Eletrobras que deve ser deslocado para a Eletronorte).
Sarney: Não. Pelo contrário. Era o Aluízio Guimarães, que morreu. José Antonio não foi nomeado por mim. Ele havia sido presidente da Chesf, começou como office-boy da empresa. Veio da Chesf pelos políticos pernambucanos que o indicaram para a Eletronorte.
iG: O próprio Flávio Decat, presidente de Furnas, também procurou o senhor para ser indicado.
Sarney: Botaram no jornal que eu indiquei o Decat para Furnas. Eu vi o Decat uma vez na vida. Ele veio e me procurou para também me pedir apoio para que eu conseguisse apoio do Garibaldi Alves (atual ministro da Previdência e presidente do Senado entre 2007 e 2008) para que ele fosse presidente da Eletrobras. Então eu telefonei para Garibaldi Alves e pedi que ele recebesse o Decat. Agora disseram que o Decat foi indicado por mim para Furnas. Calcule que isso é tão profundo, essa força de vocês de dizer verdades entre aspas. Então ficou todo mundo pensando que havia indicado Decat para Furnas. Outro dia eu estava com a presidente de República e o presidente da Câmara... Aí eu disse: ‘olha presidente, a senhora sabe que no Brasil as coisas são assim: disseram que eu indiquei o Decat e a senhora sabe mais do que ninguém que eu não indiquei’. Aí o presidente da Câmara disse: ‘Mas não foi você que indicou o Decat?’ Nunca ninguém me colocou no setor elétrico com interesse. Nunca na minha vida ninguém me acusou de improbidade.
iG: Mas não é natural o PMDB querer ocupar esses espaços, cargos no governo? É natural dentro da política?
Sarney: Não sei se é natural ou se não é. Eu não estou metido nisso, não estou participando, não tenho nada a ver com isso. Isso é com o presidente de partido. O que estou pedindo hoje é que o criador me dê saúde.
iG
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